quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ave Adonai


PÁLIDO como a noite que empalidece
No pavilhão de pérola-pura da aurora,
Eu espero por ti, com meu peito de pombo
Estremecendo, um deus seu convidado cruel ---


Eu não pintei as minhas unhas de dourado
E meus lábios de cinabre?


Eu não estou totalmente despido
Das ações e pensamentos que te obscurecem?
Eu espero por ti, minha alma perturbada


Com dor por algum nada desconhecido
Em sua cripta mais arcana ---
Eu não estou apto a suportar-te?


Cingido ao redor dos mamilos
Com um cinto dourado de glória,
Tu esperas por mim, teu escravo que sou,


Como um lobo espreita por um cordeiro branco perdido?
A corrente das estrelas rompe,
E o profundo da noite está esbranquiçado!


Tu cuja boca é uma chama
Com sua espada de sete gumes prosseguindo,


Vinde! Eu estou me contorcendo com desespero
Como uma serpente pêga em uma armadilha,
Gemendo o nome místico
Até que a minha língua esteja rasgada e sangrando!


Eu não pintei as minhas unhas de dourado
E meus lábios de cinabre?


Sim! tu és eu; a ação desperta:
Teu raio cai, teu trovão rompe
Feroz como a noiva que se lamenta
No pavilhão emplumado do noivo!


ALEISTER CROWLEY

terça-feira, 22 de junho de 2010



Versos Esmeraldinos

"É verdade, correto e sem falsidade, que o que está em baixo, é como é em cima, para cumprir-se a Grande Obra. Como todas as coisas derivam-se da Coisa Única, pela vontade e pela palavra daquele Único que as mentalizou, assim também tudo deve a sua existência a esta Unidade, pela ordem Natural, e tudo pode ser aperfeiçoado por adaptação àquela Mente.
Seu pai é o Sol; sua mãe a Lua, o Vento a transporta em seu ventre, sua nutriz é a Terra. Este ente é o pai de todas as coisas do Mundo. Seu poder é imenso e perfeito, quando novamente separada da Terra. Separas pois o Fogo da Terra, o sutil do denso, mas com cuidado, com grande habilidade e critério.
Ela sobe da Terra ao Céu e novamente desce à Terra, renascendo e assim tomando para sí o poder de Cima e o poder de Baixo. Desta forma o explendor do mundo será todo teu, possuirás todas as glórias do universo e quaisquer trevas afastar-se-ão de tí. Nisso consiste o poder poderoso de todo poder; capaz de vencer todo o sutil e penetrar tudo o que é sólido. Do mesmo modo o universo é criado. De lá vem as realizações maravilhosas, e seu mecanismo é o mesmo.
É por isso que sou chamado Hermes Trismegistus, possuindo poder sobre os três aspectos da filosofia universal. O que eu disse da obra-mestra da Arte Alquímica, a Obra Solar, aqui está dito e encerra tudo."

terça-feira, 15 de junho de 2010



Eu sou como uma donzela banhando-se num claro poço de água fresca.
Oh meu Deus! Eu Te vejo escuro e desejável, subindo através da água como uma fumaça dourada.
Tu és todo dourado, o cabelo e o cenho e a face brilhante; mesmo das pontas dos dedos às pontas dos artelhos, Tu és um rosado sonho de ouro.
Fundo em Teus olhos dourados minha alma pula, como um arcanjo ameaçando o sol.
Minha espada Te trespassa e trespassa; luas cristalinas escoam do Teu corpo lindo que está escondido atrás das ovais de Teus olhos.
Mais fundo, sempre mais fundo. Eu caio, mesmo como o Universo inteiro cai no abismo de Anos.
Pois a Eternidade chama; o Sobremundo chama; o mundo do verbo nos espera.
Acaba com a fala, Oh Deus! Crava as presas do cão Eternidade nesta garganta minha!
Eu sou como uma ave ferida esvoaçando em círculos.
Quem sabe onde vou cair?
Oh Abençoado! Oh Deus! Oh meu devorador!
Deixa-me cair, precipitar-me, afastar-me, longe, só!
Deixa-me cair!
Nem há qualquer descanso, Coração Doce, salvo no berço do régio Baco, a coxa do Altíssimo.
Lá, descanso, sob o dossel da noite.
Urano censurou Eros; Marsyas censurou Olympas; eu censuro meu lindo amante com sua cabeleira de raios de sol; não cantarei?
Não trarão meus encantamentos em volta minha a maravilhosa companhia dos deuses silvestres, seus corpos luzindo com o unguento de luar, e mel, e mirra?
Reverentes sois vós, Oh meus amantes; avancemos para a clareira mais sombria!
Lá festejaremos comendo mandrágora e môulo!
Lá o Lindo espalhará para nós Seu santo banquete. Nos bolos castanhos de trigo provaremos a comida do mundo, e seremos fortes.
Na rubra e horrenda taça da morte beberemos o sangue do mundo, e ficaremos ébrios!
Ohé! a canção a Iao, a canção a Iao!
Vem, cantemos para ti, Iaco invisível, Iaco triunfante, Iaco indizível!
Iaco, Oh Iaco, sê perto de nós!
Então a face de todo o tempo foi escurecida, e a verdadeira luz mostrou-se.
Houve também um certo grito numa língua ignota, cuja estridência perturbou as águas quietas de minha alma, de forma que minha mente e meu corpo foram curados de sua doença, auto-conhecimento.
Sim, um anjo perturbou as águas.
Este foi o grito d'Ele: IIIOOShBTh-IO-IIIIAMAMThIBIII
Nem cantei isto mil vezes por noite durante mil noites antes que Tu viesses, Oh meu Deus flamejante, atravessar-me com Tua lança. Teu robe escarlate desdobrou o céu inteiro, de forma que os Deuses disseram: Tudo queima; é o fim.
Também Tu puseste teus lábios na ferida e extraíste um milhão de ovos. E Tua mão sentou-se sobre eles, e vede! estrelas e Coisas ultimais das quais as estrelas são átomos.
Então eu Te percebi, Oh meu Deus, sentado como um gato branco sobre a treliça do porto; e o zunido dos mundos regirando era apenas o Teu prazer.
Oh gato branco, as faíscas voam do Teu pelo! Tu crepitas estalando os mundos.
Eu vi mais de Ti no gato branco do que vi na Visão dos Aeons.
No bote de Ra viajei, mas nunca encontrei sobre o Universo visível qualquer ente como Tu!
Tu foste como um cavalo branco alado, e eu Te fiz correr pela eternidade contra o Senhor dos Deuses.
Pois ainda corremos!
Tu foste como um floco de neve caindo nos bosques de pinheiros.
Num instante Tu sumiste numa agridão do parecido e do diverso.
Mas eu vi o lindo Deus atrás de uma tempestade de neve, e Tu eras Ele!
Também eu li num grande Livro.
Sobre antigo pergaminho estava escrito em letras de ouro: Verbum fit Verbum.
Também Vitriol e o nome do hierofante, V.V.V.V.V.
Tudo isto regirava em fogo, fogo estelar, raro e longínquo e completamente solitário, mesmo como Tu e Eu, Oh alma desolada Deus meu!
Sim, e a escritura, está bem. Esta é a voz que sacudiu a terra.

Oito vezes grito ele alto, e por oito e por oito contarei Teus favores, Oh Tu Deus Undécuplo 418!
Sim, e por muitos mais, pelas dez nas vinte e duas direções; mesmo como a perpendicular da Pirâmide, assim Teus favores serão.
Se eu os conto, eles são Um.
Excelente é Teu amor, Oh Senhor! Tu és revelado pela escuridão, e aquele que tateia no horror dos bosques Te pegará por acaso, mesmo como uma cobra que se apossa de uma avezinha que canta.
Eu Te peguei, Oh meu tordo macio; eu sou como um falcão de esmeralda-mãe;
Eu Te pego por instinto, se bem que meus olhos falham de Tua glória.
No entanto, eles são gente tola ali. Eu os vejo sobre a areia amarela, todos vestidos de púrpura de Tiro.
Eles puxam seu Deus brilhante para a terra em redes; eles preparam um fogo para o Senhor do Fogo, e gritaram palavras profanas, mesmo a pavarosa maldição Amri maratza, maratza, atmam deona lastadza maratza-marán!
Então eles cozinham o deus brilhante, e o engolem inteiro.
Esta é gente ruim, Oh menino lindo! passemos ao Outro Mundo.
Façamo-nos em uma isca agradável, assumamos uma forma sedutora!
Eu serei como uma esplêndida mulher nua com seios de marfim e mamilos dourados; meu corpo inteiro será como leite das estrelas. Eu serei lustrosa e grega, uma cortezã de Delos, a Ilha instável.
Tu serás como um vermezinho rubro num anzol.
Mas Eu e Tu pegaremos nossos peixes da mesma forma.
Então serás Tu um peixe brilhante de costas douradas e barriga prateada; Eu serei como um violento homem bonito, mais forte que quarenta touros, um homem do Oeste carregando um grande saco de jóias preciosas sobre um cajado que é maior que o eixo do todo.
E o peixe será sacrificado à Ti e o homem forte crucificado a Me, e Tu e Eu nos beijaremos, e anularemos o erro do Princípio; sim, o erro do princípio.

segunda-feira, 14 de junho de 2010


Eu fui o sacerdote de Ammon-Ra no templo de Ammon-Ra em Thebai.
Mas Baco veio cantando com suas tropas de moças vestidas de vinha, moças em mantos escuros; e Baco no meio como um veadinho!
Deus! Como eu saí com raiva e espalhei o coro!
Mas em meu templo ficou Baco o sacerdote de Ammon-Ra.
Portanto eu fui em farra com as jovens à Abissínia; e lá moramos e nos divertimos.
Excedentemente; sim, nos divertimos muito!
Eu comerei o fruto maduro ou verde pela glória de Baco.
Terraços de ilex, e arquibancadas de onix e opalas e sardônia elevando-se ao frasco, verde portal de malaquita.
Dentro há uma concha de cristal, na forma de uma ostra. Oh glória de Príapo! Oh beatitude da Grande Deusa!
Ali dentro uma pérola.
Oh Pérola! Tu vieste da majestade do terrível Ammon-Ra.
Então eu, o sacerdote, vi um brilho firme no coração de pérola.
Tão vivo que não podíamos olhar! Mas vede! Uma rosa cor-de-sangue sobre uma cruz de ouro fulgente!
Assim eu adorei o Deus. Baco! tu és o amante de meu Deus!
Eu que fui sacerdote de Ammon-Ra, que vi o Nilo correr por muitas luas, por muitas, muitas luas, sou o veadinho da terra cinza.
16. Eu estabelecerei minha dança em vossos conventículos, e meus amores secretos serão doces entre vós.
Tu terás um amante entre os senhores da terra cinza.
Isto ele te trará, sem o que tudo é em vão: a vida de um homem derramada a ti nos Meus Altares.
Amém.
Que seja cedo, Oh Deus, meu Deus! Eu anseio por Ti, eu perambulo muito só entre a ente louca, na terra cinza de desolação.
Tu ergerás abominável Coisa solitária de maldade. Oh alegria! cimentar aquela pedra fundamental!
Ela estará ereta sobre a alta montanha; somente meu Deus comungará com ela.
Eu a construirei de um rubi único' ela será vista de longe.
Vem irritemos os vasos da terra: eles destilarão vinho estranho.
Cresce aquilo sob minha mão: cobrirá o céu inteiro.
Tu estás atrás de mim: eu grito com alegria louca.
Então disse Ituriel o forte: adoremos nós também esta maravilha invisível!
Isto eles fizeram, e os arcanjos cobriram o céu.
Estranho e místico, como um sacerdote amarelo invocando grandes revoadas de
grandes aves cinzentas do Norte, assim estou de pé e Te invoco!
Que eles não obscureçam o sol com suas asas e seu clamor!
Retira a forma e sua comitiva!
Eu permaneço.
Tu és como uma águia-pescadora num arrozal, eu sou o grande pelicano
vermelho nas águas do poente.
Eu sou como um eunuco negro; e Tu és a cimitarra. Eu decepo a cabeça do claro, do quebrador de pão e sal.
Sim eu decepo, e o sangue faz como que um poente no lapis-lazuli do Quarto de
dormir do Rei.
Eu decepo. O mundo inteiro é quebrado num grande vendaval, e uma voz brada
numa língua que os homens não podem falar.
Eu conheço aquele horrível som de alegria primavera; sigamos nas asas da tormenta até mesmo à casa santa de Hator; afereçamos as cinco jóias da vaca sobre seu altar!
De novo a voz inumana!
Eu ergo minha massa de Titã nos dentes da tormenta, e golpeio e prevaleço, e lanço-me por sobre o mar.
Lá está um estranho Deus pálido, um deus de dor e de extrema maldade.
Minha alma morde-se a si mesma, como um escorpião cercado de fogo.
Aquele pálido Deus de face desviada, aquele Deus de sutileza e riso, aquele jovem Deus dórico, eu o servirei.
Pois o fim daquilo é inenarrável tormento.
Melhor a solidão do grande mar cinza!
Mas ai da gente da terra cinzenta, meu Deus!
Sufoca-los-ei com minhas rosas!
Oh Tu Deus delicioso, sorri sinistro!
Eu te colho, Oh meu Deus, como uma ameixa púrpura da rama ensolarada.
Como Tu desmanchas em minha boca, Tu consagrado açúcar das Estrelas!
O mundo todo é cinza ante os meus olhos: é como um velho, usado odre de vinho.
Todo o vinho dele está nestes lábios.
Tu me engendraste sobre uma Estátua de mármore, Oh meu Deus!
O corpo esta gelado com o frio de um milhão de luas; é mais duro que o adamante eterno. Como chegarei à Luz?
Tu és Ele, Oh Deus! Oh meu querido! Minha criança! Meu brinquedo! Tu és como um grupo de donzelas, como uma multidão de cisnes sobre o lago.
Eu sinto a essência do macio.
Eu sou duro, e forte, e macho; mas venha Tu! Eu serei macio, e fraco, e feminino.
Tu me esmagarás no lagar do Teu amor. Meu sangue Te tingirá os pés de fogo com litanias se Amor em Angústia.
Haverá uma nova flor nos campos, uma nova vindima nos vinhais.
As abelha colherão um mel novo; os poetas cantarão uma nova canção.
Eu ganharei a Dor do Bode como prêmio; e o Deus que senta sobre os ombros do Tempo cochilará.
Então tudo isto que está escrito será feito; sim, será feito.

sábado, 12 de junho de 2010


À minha solidão chega.
O som de uma flauta em bosquetes escuros que crescem nos montes mais distantes.
Mesmo da margem do corajoso rio eles atingem a borda do deserto.
E eu vejo Pã.
As neves são eternas acima, acima.
E o perfume delas sobe às narinas das estrelas.
Mas que tenho eu a ver com estas coisas?
Para mim somente a flauta distante, a duradoura visão de Pã.
Em toda parte Pã para os olhos, para os ouvidos;
O perfume de Pã presente, o gosto dele enchendo-me por completo a boca, de forma que a língua fala um idioma monstruoso e estranho.
O abraço dele intenso em todo centro de prazer e dor.
O sexto sentido interno inflamado com Seu ser mais íntimo;
Meu ser atirado ao precipício da existência.
Até mesmo no abismo, aniquilação.
Um fim para a solidão, como de tudo.
Pã! Pã! Io Pã! Io Pã!

sexta-feira, 11 de junho de 2010


Feliz Só Será

Feliz só será
A alma que amar.

'Star alegre
E triste,
Perder-se a pensar,
Desejar
E recear
Suspensa em penar,
Saltar de prazer,
De aflição morrer —
Feliz só será
A alma que amar.

Johann Wolfgang von Goethe

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O Pequeno Príncipe



Antoine de Saint-Exupéry

(...) "E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia - disse a raposa.
- Bom dia - respondeu polidamente o principezinho que se voltou mas não viu nada.
- Eu estou aqui - disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? - perguntou o principezinho.
- Tu és bem bonita.
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Vem brincar comigo - propôs o príncipe

- estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo - disse a raposa. - Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa - disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- O que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui - disse a raposa. - Que procuras?
- Procuro amigos - disse. - Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida - disse a raposa. - Significa "criar laços"...
- Criar laços?
- Exatamente. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
Mas a raposa voltou a sua ideia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música. E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! - disse ela.
- Bem quisera - disse o príncipe - mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou - disse a raposa. - Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me!
- Os homens esqueceram a verdade - disse a raposa. - Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."