quinta-feira, 29 de março de 2018

O Segredo Terrível


Há verdades que devem ser para sempre misteriosas para os fracos de espírito e para os tolos.
E estas verdades podem ser-lhes ditas sem temor. Pois certamente jamais as compreenderão.

Que é um tolo? Um tolo é uma coisa mais absurda que uma besta. É o homem que quer chegar antes de ter andado.
É o homem que se julga senhor de tudo só porque chegou a alguma coisa.
É um matemático que despreza a poesia.
É um poeta que protesta contra os matemáticos.
É um pintor que diz que a teologia e a cabala são inépcias, porque nada entende de cabala e teologia.
É o ignorante que nega a ciência sem ter o trabalho de estudá-la.
É o homem que fala sem saber e afirma sem certeza. São os tolos que matam os homens de gênio.
Galileu foi condenado, não pela Igreja, mas por tolos que, infelizmente, pertenciam à Igreja.
A tolice é um animal feroz que tem a calma da inocência; assassina sem remorso.
O tolo é o urso da fábula de La Fontaine; esmaga a cabeça do seu amigo debaixo de uma pedra para caçar uma mosca; porém, diante da catástrofe, não procureis fazer-lhe confessar que errou. A tolice é inexorável e infalível como o inferno e a fatalidade, pois é sempre dirigida pelo magnetismo do mal.

O animal nunca é tolo enquanto age franca e naturalmente como animal, porém o homem ensina a tolice aos cães e aos burros sábios. O tolo é o animal que despreza o instinto e que aparenta inteligência.

O progresso existe para o animal; pode-se dominá-lo, prendê-lo, excitá-lo.
Porém, não existe para o tolo. Porque o tolo julga que nada tem a aprender. É ele que quer reger e educar aos outros e com ele nunca tereis razão. Ele vos escarnece à vista, dizendo que o que não compreende é radicalmente incompreensível. De fato, por que não o compreenderei eu? Ele vos dirá com admirável aprumo. E nada mais tendes a lhe responder. Dizer-lhe que é um tolo seria apenas fazer-lhe um insulto. Todos vêem, porém ele jamais o saberá.

Eis, pois, um já formidável arcano inacessível à maioria dos homens. Eis aí um segredo que jamais adivinharão e que seria inútil dizer-lhes: o segredo da tolice deles.

Sócrates bebe a cicuta, Aristides é proscrito, Jesus é crucificado, Aristófanes se ri de Sócrates e faz rirem os tolos de Atenas; um camponês se aborrece de ouvir dar a Aristides o nome de Justo e Renan escreve a vida de Jesus para o maior prazer dos tolos. É por causa do numero quase infinito dos tolos que a política é e será sempre a ciência da dissimulação e da mentira. Maquiavel ousou dizê-lo e foi ferido por uma reprovação bem legítima, pois, fingindo dar lições aos príncipes, ele traía a todos e os denunciava à desconfiança das multidões. Aqueles que somos obrigados a enganar não devemos prevenir.

É por causa das vis e tolas multidões que Jesus dizia aos seus discípulos: “Não lanceis pérolas aos porcos, pois eles as calcariam aos pés e se voltariam contra vós, procurando despedaçar-vos”.

Vós, portanto, que desejai tornar-vos poderosos em obras, nunca digais a alguém o vosso pensamento mais secreto. Nem mesmo o digais, e quase ousaria dizer-vos, escondei-o sobretudo à mulher a quem amais; lembrai-vos da história de Sansão e Dalila!

Desde que uma mulher julga conhecer a fundo seu marido, ela cessa de amá-lo. Quer governá-lo e dirigi-lo. Se resiste, ela o odeia; se cede, ela o despreza. Procura um outro homem para penetrar. A mulher tem sempre necessidade do desconhecido e do mistério e seu amor geralmente não é mais que uma insaciável curiosidade.

Porque são os confessores poderosos sobre a alma e quase sempre sobre o coração das mulheres? É que sabem todos os seus segredos, ao passo que as mulheres ignoram os dos confessores.

A franco-maçonaria é poderosa no mundo pelo seu terrível segredo tão prodigiosamente guardado, que os iniciados, mesmo os dos mais altos graus, não o sabem.

A religião católica se impõe às multidões por um segredo que o próprio papa não sabe. Este segredo é o dos mistérios. Os antigos gnósticos o sabiam como indica o nome deles, porém não souberam guardar silêncio. Quiseram vulgarizar a gnose; resultaram daí doutrinas ridículas que a Igreja teve razão de condenar. Porém, com eles infelizmente foi condenada a porta do santuário oculto e lançaram suas chaves no abismo.

É aí que os Joanitas e os Templários ousaram ir buscá-las com risco da danação eterna. Mereceriam eles, por isso, serem condenados no outro mundo? Tudo o que sabemos é que, neste mundo, os Templários foram queimados.
A doutrina secreta de Jesus era esta:

Deus tinha sido considerado como um senhor e o príncipe deste mundo era o mal; eu, que sou o filho de Deus, vos digo: não procuremos Deus no espaço; ele está nas nossas consciências e nos nossos corações. Meu pai e eu somos um e quero que vós e eu sejamos um. Amemo-nos uns aos outros como irmãos. Não tenhamos mais que um coração e uma alma. A lei religiosa é feita para o homem, e o homem não é feito para a lei. As prescrições legais estão submetidas ao livre arbítrio da nossa razão unida à fé. Crede no bem e o mal nada poderá sobre vós.

Quando vos reunirdes em meu nome, meu espírito estará no meio de vós. Ninguém dentre vós deve julgar-se mestre dos outros, porém todos devem respeitar a decisão da assembléia. Todo homem deve ser julgado conforme as suas obras e medido conforme a medida que fez para si. A consciência de cada homem constitui sua fé e a é do homem é o poder de Deus nele.

Se sois senhor de vós mesmo, a natureza vos obedecerá e governareis os outros. A fé dos justos é mais inabalável que as portas do inferno e sua esperança jamais será confundida.

Eu sou vós e vós sois eu, no espírito de caridade que é o nosso e que é Deus. Crede isto e vosso verbo será criador. Crede isto e fareis milagres. O mundo vos perseguirá e fareis a conquista do mundo.

As velhas sociedades fundadas sobre a mentira perecerão; um dia, o filho do homem pairará sobre as nuvens do céu, que são as trevas da idolatria, e fará um juízo definitivo sobre os vivos e os mortos.

Desejai a luz, pois ela se fará. Aspirai à justiça, pois o assassinato provoca o assassinato. É pela paciência e a brandura que vos tornareis senhor de vós mesmos e do mundo.

Entregai agora esta doutrina admirável aos comentários dos sofistas da decadência e polemistas da Idade Média, e daí vereis sair belas coisas. Se Jesus era filho de Deus, como o engendrou Deus? É ele da mesma substância de Deus ou de outra substância? A substância de Deus! Que eterno assunto de disputa para a ignorância presunçosa! Era ele uma pessoa divina ou uma pessoa humana? Tinha ele duas naturezas e duas vontades? Terríveis questões que merecem que as pessoas se excomunguem e se degolem! Jesus tinha uma só natureza e duas vontades, dizem uns; porém, não os escuteis, são hereges; então, duas naturezas e uma vontade? Não, duas vontades. Então, estava em oposição consigo mesmo? Não, porque estas duas vontades faziam uma só que se chama Teandrica. Oh! Oh, diante desta palavra não digamos mais nada e, outrossim, é preciso obedecer à Igreja que se tornou muito diferente da primitiva assembléia dos fiéis. A lei é feita para o homem, disse Jesus, porém o homem é feito para a Igreja, diz a Igreja, e é ela que impõe a lei. Deus sancionará todos os decretos da Igreja e condenará a todos vós, se ela decidir que sois todos ou quase todos condenados. Jesus diz que é preciso referir-se à assembléia, portanto, ela é infalível, é Deus, e se ela decide que dois e dois são cinco, dois e dois serão cinco.

Se ela diz que a terá é imóvel e que o sol gira, é proibido à Terra de girar. Ela vos dirá que Deus salva seus eleitos dando-lhes a graça eficaz e que os outros serão condenados por terem recebido somente graças suficientes, as quais, por causa do pecado original, bastavam em principio, porém não eram suficientes em fato. Que o papa salva e condena a quem quer, pois tem as chaves do céu e do inferno. Depois vêm os casuístas com seus molhos de chaves que não abrem, mas fecham com duas ou três voltas as portas dos compartimentos feitos na torre de Babel. Ó Rabelais, meu mestre! Só tu podes trazer a panacéia que convém a toda demência. Uma grande gargalhada! Dize-nos, enfim, a ultima palavra de tudo isso, e ensina-nos definitivamente se uma quimera que arrebenta fazendo ruído no vácuo pode se encher de novo e adquirir bandulho absorvendo a substância quiditativa e merífica das nossas segundas intenções?

Utrum chimera in vacuum bombinans possit concidere secundum intentiones. Outros tolos, outros comentários. Eis que vêm os adversários da Igreja a nos dizer: Deus está no homem, isto quer dizer que não há outro Deus senão a inteligência humana. Se o homem está acima da lei religiosa e esta lei embaraça o homem, porque não suprimiria ele a lei? Se Deus é nós e se nós somos todos irmãos, se ninguém tem o direito de chamar-se nosso senhor, por que obedecemos nós? A fé e a razão dos imbecis. Não acreditemos em nada e não nos submetamos a ninguém.

Pois seja! Isto é altivez. Porém, será necessário baterem-se uns contra os outros. Eis a guerra dos deuses e a exterminação dos homens! Ora! Miséria e tolice!... mais ainda, mais ainda, tolice, tolice e miséria!

“Pai, perdoa-lhes”, dizia Jesus, “porque não sabem o que fazem.”. Pessoas de bom senso, quem quer que sejais, acrescentarei eu, não os escuteis, porque não sabem o que dizem.

Mas então são inocentes, vai gritar um terrível menino. Silêncio, imprudente. Silêncio, em nome do céu, ou toda moral está perdida! Aliás vós vos enganais. Se fossem inocentes, seria permitido fazer como eles e quereríeis vós imitá-los? Crer tudo é uma tolice; a tolice não pode, pois, ser inocente. Se há circunstancias atenuantes, só a Deus pertence apreciá-las.

A nossa espécie é evidentemente defeituosa e, ao ouvir falar e ver agir a maioria dos homens,me parece que não têm bastante razão para serem seriamente responsáveis. Ouvi falar na Câmara dos homens que a França (o primeiro país do mundo) honrará com a sua confiança. Eis aqui o orador da oposição. Eis o campeão do ministério. Cada qual prova vitoriosamente que o outro nada entende dos negócios do Estado. A prova que B é um idiota, B prova que A é um saltimbanco. A quem dar crédito? Se fordes branco, acreditareis em A; se fordes vermelho, acreditareis em B. Porém, a verdade, meu Deus! A verdade! – A verdade é que A e B são charlatões e mentirosos.

Desde que existiu uma dúvida entre eles, provaram que um e outro nada valiam. Admiro a prova e admiro a ambos nesta demolição mútua. Encontra-se tudo nos livros, exceto o que ordinariamente o autor quis pôr neles. Riem-se da religião como uma impostura e mandam-se as crianças à igreja. Ostenta-se cinismo e tem-se superstição. O que se teme acima de tudo é o bom senso, é a verdade, é a razão.

A vaidade pueril e o sórdido interesse levam os homens pelo nariz, até a morte, este esquecimento definitivo e motejador supremo. O fundo da maior parte das almas é a vaidade. Ora, que é a vaidade? É o vácuo. Multiplicai os zeros quantas vezes quiserdes, sempre valerão zero; amontoai nadas e a nada chegareis, nada, nada. Nada, eis aí o programa da maioria dos homens!
E estes são os imortais! E estas almas, tão ridiculamente enganadoras e enganadas são imperecíveis! Para todos estes estouvados, a vida é uma armadilha suprema que encobre o inferno! Oh! Há certamente aqui um segredo terrível: é o da responsabilidade. O pai responde por seus filhos, o senhor pelos seus sevos e o homem inteligente pela multidão ignorante. A redenção se realiza por todos os homens superiores, a tolice sofre, porém só o espírito expia.

A dor do verme que é esmagado e da ostra que é despedaçada não são expiações.

Sabe, pois, ó tu que queres ser iniciado nos grandes mistérios, que fazes um pacto com a dor e afrontas o inferno! O abutre, o Prometeida, te olha, e as Fúrias dirigidas por Mercúrio preparam cunhas de madeiras e cravos. Vais ser sagrado, isto é, consagrado ao suplício. A humanidade tem necessidade dos teus tormentos.

O Cristo morreu jovem numa cruz e todos aqueles a quem iniciou foram mártires. Apolônio de Tiana morreu pelas torturas que sofreu nas prisões de Roma. Paracelso e Agripa levaram uma vida errante e morreram miseravelmente. Guilherme Postello morreu preso. São Germano e Cagliostro tiveram um fim misterioso e provavelmente trágico. Cedo ou tarde é preciso satisfazer ao pacto quer formal, quer tácito. É preciso libertar-se do imposto que a natureza estabeleceu sobre os milagres. É preciso ter uma luta final com o diabo, desde que se tomou a liberdade de ser Deus.

Eritis sicut dii scientes bonum et malum.

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